Sunday, July 01, 2007

A PROPOSTA DE CRIAÇÃO DO PARQUE NACIONAL DO CAMPO DOS PADRES –UMA LIÇÃO DE BIOLOGIA DA CONSERVAÇÃO


Estive no ultimo dia 23 de junho em Urubici para assistir à Ação Civil Publica promovida pelos proprietários rurais daquele município contra o MMA pela proposta de criação do Parque Nacional do Campo dos Padres. Estive lá a convite do Juiz Zenildo Bodnar, como presidente da Associação Montanha Viva – que busca, através da pesquisa em Biologia da Conservação, estratégias para harmonizar a interação entre o homem e o ecossistema. O MMA apresentou essa proposta de criação de outro parque nacional contíguo ao Parque Nacional de São Joaquim no segundo semestre de 1006. Com a proposta da criação do Parque Nacional do Campo dos Padres, mais 62 mil hectares seriam destinados a preservação de forma integral. Com os dois parques nacionais, o pais teria cerca de 100 mil há conservando os campos de altitude, matinhas nebulares, remanescentes de araucárias milenares ainda existentes em grotões escondidos em fundos das inúmeras furnas nas cabeceiras do Rio Canoas.

As razões para a criação deste novo parque são legitimas e louváveis. Sim, a região das nascentes do Rio Canoas e seus ecossistemas associados merecem atenção imediata. No entanto, as medidas tomadas para a conservação da região através do Parque Nacional de São Joaquim são uma lição de como uma idéia maravilhosa pode se transformar em um desastre ambiental. O PNSão Joaquim foi decretado pelo Presidente Jânio Quadros há cerca de 46 anos atrás. As razões para o parque eram entre muitas, a conservação das malhas de araucárias gigantes que tocando suas copas cobriam as cabeceiras do Rio Pelotas. O Presidente Jânio Quadros renunciou em seguida e a nova presidência do pais deixou a questão fundiária do parque até os dias de hoje. Por quatro décadas os muitos proprietários da região tiveram suas atividades congeladas e a economia da região teve um sério baque. A resposta de muitos destes proprietários foi a rápida derrubada das gigantescas araucárias e outras arvores nobres existentes na região do parque. Hoje, a região do Parque Nacional de São Joaquim é uma ruína natural do que um dia foi. Não podemos dizer que a fauna e flora tenha desaparecido do PNSão Joaquim. Mas isso foi graças a regiões muito bem conservadas no entorno que ainda permanecem muito bem conservadas.

E é exatamente a região bem conservada que foi apresentada nessa proposta de um novo parque nacional – o Parque Nacional do Campo dos Padres. Fui um dos críticos desta proposta e fui muito criticado pela minha posição – vide comentários neste blog. Minha posição contrária a esta proposta não foi porque sou contra a criação de um parque nacional, mas sim pela forma com que o Brasil o fez até hoje. Poderíamos dizer que pouco pais de 2 % de seus parques nacionais tiveram resolvida suas questões fundiárias, isto é, indenizaram os proprietários originais das terras.

Tomando um exemplo clássico, o Parque Nacional do Itatiaia completou 70 anos dias atrás e suas terras ainda estão sob a posse dos proprietários originais, ou a longa genealogia dos mais recentes donos. A quase totalidade dos Parques Nacionais brasileiros são apenas um documento escrito, são que se chama popularmente de PARQUES DE PAPEL. Muitas dos novos decretos para mais parques nacionais continuam reféns de Dilma Roussef, da Casa Civil. Só devem ser liberados em troca das licenças ambientais das mega-obras do setor energético patrocinadas pela ministra.

Foi justamente em função do licenciamento de uma mega-obra do setor energético que a proposta para a criação do Parque Nacional do Campo dos Padres nasceu. Com a inundação de cerca de 6 mil hectares de matas do Rio Pelotas, entre estas um remanescente de 800 há de uma floresta milenar composta por araucárias e angicos gigantescos para a criação da UHE Barra Grande, o ministério publico decretou que os donos de Barra Grande realizassem uma compensação ambiental, no caso a compra de outros 800 há de matas de araucária. O valor estipulado pela justiça foi na ordem de 23 milhões de reais. Com esse capital em caixa, o MMA resolveu apresentar a proposta de criação do Parque Nacional do Campo dos Padres. Sim, o MMA diz que tem mais outras formas de pagamento em termos de compensação ambiental de outros empreendimentos em curso. O caso é que o que foi mencionado durante a audiência publica nos meados do segundo semestre de 2006 foram os 23 milhões de reais oriundos de Barra Grande. Julgando pelo valor do hectare sugerido na audiência publica de mil reais, podemos ver que a União teria fundos para comprar apenas 1/3 dos 62 mil há propostos.

Por que então o MMA não apresentou uma proposta para a compra de terras que o capital retido nos cofres públicos pudessem comprar? Teríamos então um Parque Nacional de cerca de 20 mil hectares pagos integralmente. Seria um parque nacional pago a serviço da conservação. O problema foi que nessa ultima audiência publica, os representantes do MMA e mesmo os autores do projeto de criação do novo parque nacional continuaram com a pretensão de conservar os 62 mil hectares. Eles incluíram no pacote a região da Serra do Panelão – muito bem conservada na realidade. Esta região merece uma ressalva, assim como a região da Serra da Anta Gorda. Inúmeras fazendas ocupam a área e a tem conservado ao longo destas 4+ décadas. Esta região está bem conservada porque seus proprietários assim o quiseram, caso contrário estaria como muitas das propriedades que se encontram nos limites do Parque Nacional de São Joaquim.

Por que então não contar com a parceria destes proprietários na conservação da região? Por que não foi oferecido a eles a opção da criação de algumas RPPNs na região da Serra do Panelão. Isto é um mistério. Acredito que foi uma falha muito grande. Por que? Com todos os erros que temos visto ao longo de décadas com o Parque Nacional de São Joaquim, do Parque Nacional do Itatiaia, por que mais essa agora?

Resultados adversos a conservação se multiplicaram como fogo na palha entre os proprietários reunidos em Urubici. Em vez de chamar a atenção para a importância da conservação do sensível ecossistema dos campos de altitude e remanescentes de araucária, fez com que os proprietários se revoltassem com a medida e contra a conservação. Políticos oportunistas deram sua palavra no evento clamando a revolta contra unidades de conservação, uma vez que estas são entraves para a agricultura. Dificuldades maiores ainda para pesquisadores que conduzem projetos de conservação na região que são agora vistos como os responsáveis por toda esta confusão que eles se encontram, tendo suas propriedades e modo de vida e sustento possíveis vitimas de um processo de desapropriação sem perspectiva de indenização como viram em seus vizinhos com terras nos limites do Parque Nacional de São Joaquim.

A conservação só é atingida plenamente quando a comunidade participa do processo. Isto acontece quando as atitudes e percepções são alteradas por novos conceitos sobre o uso dos recursos do meio ambiente. Igualmente, quando a comunidade busca novas alternativas econômicas menos agressivas ao ecossistema. Muitas vezes isto não acontece devido à falta de oportunidades e acesso a conhecimentos destas alternativas. A sustentabilidade parece uma utopia, mas deve ser buscada e praticada. Precisamos uma educação da população para a conservação, não apenas no sentido da educação ambiental, mas uma capacitação para o melhor e mais eficiente uso da terra. A educação ambiental entra, não apenas no sentido de conservar, mas de integrar o homem como um habitante do ecossistema, que o utiliza de uma forma eficiente e menos destrutiva.

No comments: