Sunday, December 11, 2005

A FLORESTA QUE ESTÁ VIRANDO CARVÃO

O Gavião-real-falso (Morphnus guianensis) é uma espécie de ave de rapina muito rara que ocorre em florestas úmidas da América central e do Sul. Seu nome popular é devido a sua semelhança ao Gavião-real (Harpya harpyja), sendo menor e utilizando os galhos das arvores para seus ninhos e não o tronco central como o verdadeiro gavião-real. É considerado muito raro pelos ornitólogos. Ocupa grandes territórios com área em torno de 2500 hectares e se alimenta de répteis, aves e mamíferos.

O Gavião-real-falso foi visto em Santa Catarina em Siderópolis em 1978, quando uma expedição do atual Curso de Pos Graduação em Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul realizou estudos sobre o impacto da mineração do carvão nos ecossistemas locais (Albuquerque 1979). Em fevereiro de 2005 um casal desta espécie foi observada saindo de uns fragmentos florestais de bom porte a 14 km dos paredões do Espraiado, Serra do Corvo Branco na Serra Geral catarinense. As aves utilizavam termas e circulavam sobre uma região agrícola muito fragmentada de Aiure, município de Grão Pará.

O encontro desta espécie está inserido dentro dos objetivos do Projeto Gaviões-de-penacho executados pela equipe de Biólogos da Associação Montanha Viva, sediada em Urubici. A região do entorno do Parque Nacional de São Joaquim apresenta uma grande diversidade de espécies de aves de rapina diurnas. Até o momento registramos 27 espécies de Falconiformes, representando mais de 55% do total de espécies de Falconiformes na Região Sul. Entre os gaviões-de-penacho somente o Gavião-real não foi ainda avistado em nossos estudos. A presença desta espécie não é algo fora do normal para Santa Catarina, uma vez que o estado conta com um forte peso histórico. O Gavião-real foi registrado nos anos 60s, anos 80s, quando um individuo foi abatido em Pilões, interior da Serra do Tabuleiro e em outubro de 1989 eu registrei um casal em vôos nupciais sobre Caldas da Imperatriz (Albuquerque e Bruguemann 1996). O sopé da serra é parcialmente coberto com Floresta Atlântica Ombrófila Densa. A presença do gavião-real-falso em fevereiro de 2005 atesta que ainda existam alguns pares nidificando na região. Aiure está a cerca de 60 km ao norte de Sideropolis, onde registrei outro individuo em 1979. Este registro também sugere que a espécie tem uma plasticidade maior que seus parentes amazônicos, uma vez que convive com intensa atividade humana nas proximidades de seus territórios.

Santa Catarina ainda apresenta uma cobertura vegetal significativa, contando com um dos maiores remanescentes da Floresta Atlântica, que é o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro. Temos ainda o Parque Nacional de São Joaquim e o, em vias de ser decretado, Parque Nacional do Itajaí. Apesar destas unidades de conservação importantes, elas carregam o fardo de serem, em sua maioria, apenas de papel. Santa Catarina é também um estado com forte tradição madeireira e o lobby para o retorno das serrarias no estado é continuo em Brasília. Além das madeireiras clandestinas, temos a poderosa industria da cerâmica no sul do estado. Esta industria demanda cobustivel para seus fornos que até recentemente estavam sendo abastecidos pelo gás natural, vindo da Bolívia. Problemas sociais e políticos na Bolívia levaram a um aumento no preço do gás natural e a conseqüente busca por fontes alternativas de combustível para os fornos da industria da cerâmica.

A aparente plasticidade comportamental do Gavião-real-falso tem limites. A espécie é florestal e prima por ambientes em boas condições de conservação. As florestas que cobrem os sopés da Serra Geral vem sendo paulatinamente substituídas por plantações de pinus, campos de pastoreio e agricultura. O uso de agrotóxicos, a derrubada das florestas e a conseqüente perda de habitat são ameaças muito serias a sobrevivência do gavião-real-falso. Um fato alarmante que esta ocorrendo no momento é a queima da mata para carvão e o mesmo sendo consumido pela crescente necessidade de energia da industria da cerâmica no sul catarinense. A demanda por carvão é muito grande, acarretando uma destruição florestal mais rápida e violenta. Nossa imagens ilustram a rapidez deste processo. Após a destruição da floresta atlântica, a mesma é substituida por plantações de pinus. Nossas imagens ilustram a destruição da floresta, fornos de carvão em plena atividade e a invasão das plantações de pinus.

A destruição da Floresta Atlântica em áreas de encosta é ilegal, assim como a substituição desta por espécies exóticas como o Pinus. Atualmente, muitas pessoas em Aiure estão envolvidas com a produção do carvão vegetal. Esta atividade é atualmente uma das fontes de renda mais importantes para algumas famílias. Isto é ilusório, uma vez que quando o carvão for totalmente esgotado e a área ocupada por plantações de pinus, estas pessoas estarão na miséria. Vi cenas que mãe trouxeram a memória fotos feitas por Sebastião Salgado das crianças mineiras em seu trabalho escravo na extração do carvão vegetal, apenas que em Aiure eram crianças loiras com olhos azuis.

Além de gerar miséria, a produção do carvão vegetal renderá extinções de populações locais de espécies raras como o Gavião-real-falso e ainda não encontrado na região, mas provavelmente presente, Gavião-real propriamente dito. Estamos diante de um problema ambiental que acarretará conseqüências impensáveis a conservação de nossa biodiversidade. Precisamos tomar alguma providencia seria para impedirmos esta destruição.

No comments: